Eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, têm se tornado mais frequentes e intensos em todo o mundo, afetando comunidades e as infraestruturas das quais dependemos. Somente em 2024, foram registrados 58 desastres ao redor do mundo – cada um levando a um prejuízo de mais de US$ 1 bilhão em danos. No entanto, o financiamento para lidar com esses impactos segue muito abaixo do necessário: a diferença entre o valor disponível e o necessário para adaptação às mudanças climáticas pode chegar a US$ 359 bilhões por ano.

Parte desse déficit se deve ao fato de que medidas de adaptação, como o fortalecimento de sistemas de alerta precoce ou o aumento da resiliência das infraestruturas, costumam ser vistas apenas como formas de evitar possíveis perdas climáticas – e não como uma oportunidade de investimento. Essa visão, porém, subestima o real valor da adaptação e os retornos que ela pode gerar.

Uma nova pesquisa do WRI mostra que, para cada dólar investido em adaptação, podem ser gerados mais de US$ 10,50 em benefícios ao longo de dez anos. Esses ganhos não se referem apenas a evitar perdas com desastres climáticos: também resultam em diversos benefícios econômicos, sociais e ambientais mesmo quando não há ocorrência de desastres.

Ou seja, a adaptação não é apenas uma resposta essencial à crise climática – também é um dos investimentos mais inteligentes da atualidade.

O “triplo dividendo” dos investimentos em adaptação

No novo estudo, Strengthening the Investment Case for Climate Adaptation (em português, “Fortalecendo os argumentos para investir em adaptação climática”), o WRI analisou 320 projetos de adaptação e resiliência em setores como agricultura, água, saúde e infraestrutura. Esses projetos incluem desde a modernização de instalações de armazenamento de alimentos em Bangladesh até melhorias na gestão da água no Brasil.

Somados, os investimentos analisados superam US$ 133 bilhões e devem gerar cerca de US$ 1,4 trilhão em benefícios ao longo de uma década. Estima-se que cada investimento sozinho proporciona, em média, um retorno de 27%.

Além disso, muitos dos benefícios previstos não foram monetizados nem incluídos nos cálculos de retorno porque são difíceis de modelar ou quantificar. Os pesquisadores descobriram que apenas 8% das análises de investimento estimaram o valor total monetário desses dividendos – o que indica que o valor de US$ 1,4 trilhão e a taxa média de retorno possivelmente estão subestimados.

gráfico mostra rendimentos por setor

Então, de onde vêm esses retornos? A pesquisa utilizou a abordagem do “triplo dividendo da resiliência” para agrupar os benefícios em três categorias principais: perdas evitadas, estímulo ao desenvolvimento econômico e benefícios sociais e ambientais adicionais. Os resultados mostram que os projetos de adaptação costumam gerar benefícios bem distribuídos entre os três tipos e taxas de retorno mais altas do que se imagina.

Considere, por exemplo, um projeto de infraestrutura urbana no Vietnã que visa reduzir enchentes e melhorar o sistema de drenagem. Muitos modelos tradicionais de avaliação contabilizariam apenas os custos de danos evitados por inundações. No entanto, o investimento em infraestrutura resiliente também pode aumentar o valor dos terrenos, reduzir os custos com saúde (ao diminuir doenças transmitidas pela água) e melhorar a produtividade dos trabalhadores (com a redução do tempo de deslocamento em decorrência de melhorias nas vias). O modelo do triplo dividendo leva todos esses efeitos em conta, oferecendo uma visão mais completa do valor que projetos de adaptação e resiliência podem gerar.

Adaptação também é sinônimo de desenvolvimento

Um dos desafios para o financiamento da adaptação é o fato de muitas vezes ser vista como um custo adicional, competindo com outras prioridades nacionais de desenvolvimento. No entanto, a abordagem do triplo dividendo mostra que, na prática, as duas coisas andam juntas. Em muitos dos investimentos analisados, as ações de adaptação são essenciais para viabilizar um desenvolvimento mais resiliente.

Saúde

Investimentos em adaptação no setor de saúde estão entre os que apresentam os maiores retornos, com média superior a 78%. Isso acontece porque fortalecer sistemas de saúde mais resilientes salva vidas, melhora a saúde pública e impulsiona a produtividade econômica, especialmente entre populações vulneráveis.

Um exemplo é o Social and Economic Inclusion Project (em português, “Projeto de Inclusão Social e Econômica”), do Quênia, focado em regiões propensas à seca, onde eventos climáticos extremos agravam a pobreza e a vulnerabilidade. As crianças são as mais afetadas: a seca contribui para a desnutrição e compromete o crescimento, prejudicando o desenvolvimento saudável. O projeto enfrenta esses desafios por meio de transferências de renda e aconselhamento nutricional durante secas, além do envio de agentes comunitários de saúde para áreas remotas afetadas por eventos climáticos. A iniciativa também busca ampliar o o da população a serviços de saúde de forma geral, o que pode resultar em ganhos de produtividade e melhores resultados educacionais entre famílias vulneráveis e de baixa renda. Tudo isso deve gerar avanços significativos no desenvolvimento, além de evitar outras perdas, fazendo do projeto uma referência em adaptação com foco na saúde.

Gestão de riscos de desastres

Investimentos em gestão de riscos de desastres – especialmente ferramentas de baixo custo como sistemas de alerta precoce – também geram retornos consideráveis (em média, 36%) ao proteger vidas e infraestruturas, além de contribuir para reduzir abalos na economia.

Um agricultor em Sunamganj, Bangladesh, colhe arroz de um campo inundado após chuvas torrenciais em 2022
Um agricultor em Sunamganj, Bangladesh, colhe arroz de um campo inundado após chuvas torrenciais em 2022. O distrito de Sunamganj está incluído em um projeto piloto de adaptação para aprimorar os serviços de informação meteorológica e ajudar os agricultores a gerenciar melhor os riscos climáticos (foto: ZUMA Press Inc/Alamy Stock Photo)

Em Bangladesh, o Weather and Climate Services Regional Project (em português, “Projeto Regional de Serviços Meteorológicos e Climáticos”) testou um sistema de alerta comunitário para enchentes, tempestades e secas em quatro distritos: Netrakona, Sunamganj, Rajshahi e Naogaon. A iniciativa também criou um portal online e instalou quiosques e paineis físicos para facilitar o o de agricultores a informações climáticas e hídricas. Essas medidas apoiam uma gestão mais eficiente dos riscos climáticos e ajudam os produtores a proteger seus meios de subsistência, evitando perdas e, a longo prazo, aumentando seus rendimentos.

Agricultura e silvicultura sustentáveis

Na agricultura e silvicultura, os retornos médios da adaptação superam os 29%, principalmente em decorrência de ganhos produtivos e ambientais.

O projeto Resilient Landscapes and Livelihoods (em português, “Paisagens e Meios de Vida Resilientes”), da Etiópia, restaura áreas degradadas em bacias hidrográficas por meio de terraceamentoe plantio de árvores. A iniciativa também capacitou moradores das comunidades mais afetadas em práticas agrícolas e manejo de pastagem sustentáveis. Essas medidas melhoram a saúde do solo, reduzem a erosão e fortalecem as bacias hidrográficas, tornando a região mais resistente a enchentes e secas e melhorando a produção agrícola e pecuária.

Infraestrutura resiliente

Projetos nas áreas de energia, cidades e transportes trazem amplos benefícios, com retorno médio próximo a 30%.

O projeto Desenvolvimento Urbano Sustentável, de Fortaleza (CE), reuniu diversas iniciativas ambientais com efeitos de longo prazo. A iniciativa restaurou áreas alagadiças no Parque Rachel de Queiroz para absorver a água da chuva, protegendo bairros vizinhos de enchentes e fortalecendo a biodiversidade; criou novos espaços públicos e revitalizou áreas verdes. Medidas como essas, além de aprimorar as condições da água, também podem atrair visitantes e negócios, valorizar imóveis e melhorar a qualidade de vida da população. Um diferencial do projeto é o foco nas mulheres, que representam a maioria da população da cidade e dos bairros de baixa renda.

Água

A gestão hídrica é essencial para a resiliência climática. Tempestades e enchentes mais intensas alagam cidades inteiras; secas severas comprometem as lavouras; e os riscos climáticos crescentes ameaçam o abastecimento de água. Em nossa análise, os projetos relacionados à água apresentaram retorno médio de 19%, mas esse índice provavelmente não engloba todo o espectro de benefícios, muitas vezes difíceis de mensurar.

O projeto Transformative Riverine Management (em português, “Gestão Transformadora de Rios”), realizado em Durban, na África do Sul, aposta em soluções baseadas na natureza para enfrentar os riscos hídricos, como a criação e recuperação de áreas úmidas. Os benefícios cobrem as três dimensões do “triplo dividendo”: reduzem perdas com enchentes por meio da absorção de água, geram impactos econômicos ao criar empregos e aumentar a produção de alimentos e bioenergia e proporcionam ganhos sociais e ambientais como menor erosão, melhoria da qualidade da água, captura de carbono e criação de áreas de lazer ao ar livre. Os benefícios estimados do projeto são quase seis vezes maiores do que o custo.

Pessoas atravessam um rio inundado em Durban, África do Sul, em 2022.
Pessoas atravessam um rio inundado em Durban, África do Sul, em 2022. Durban está trabalhando para restaurar e reabilitar seus rios, um projeto que mitigará os riscos de inundações, ao mesmo tempo em que impulsionará a economia local e revitalizará ecossistemas cruciais (foto: Big Red Digital Media/Shutterstock)

A adaptação gera retornos altos mesmo quando não há ocorrência de desastres

Embora os investimentos em adaptação tenham como principal objetivo evitar perdas relacionadas ao clima, os benefícios econômicos, sociais e ambientais se dão mesmo na ausência de desastres climáticos. Mais de 65% dos benefícios monetizados no estudo do WRI não estão associados a abalos climáticos, mas à geração de empregos, ganhos de produtividade, comunidades mais saudáveis e melhoria ambiental.

o triplo dividendo em dados

Em muitos casos, esses ganhos em desenvolvimento igualaram ou superaram o valor das perdas evitadas.

Por exemplo, o projeto de Desenvolvimento Verde Rural de Hubei Yichang, na China, busca modernizar o setor agrícola no município de Yichang por meio de práticas e tecnologias agrícolas modernas, instalação de sistemas de tratamento de água e resíduos agrícolas, além de melhorias em infraestruturas rurais resilientes, como sistemas de irrigação e drenagem mais eficientes. A estimativa é que os ganhos em produtividade e resiliência dessas ações superem o valor das perdas evitadas com enchentes.

Investir em adaptação também reduz emissões

Embora nosso estudo tenha se concentrado principalmente no “triplo dividendo” dos investimentos em adaptação, os benefícios vão além.

A mitigação climática – esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e conter o aquecimento global – tem sido historicamente separada da adaptação nas negociações internacionais e no planejamento de políticas climáticas. Muitas vezes, as duas agendas são consideradas concorrentes, disputando o financiamento climático limitado.

No entanto, quase metade dos investimentos em adaptação analisados também contribuíram para a redução de emissões de GEE, revelando oportunidades pouco exploradas de alinhar estratégias e ampliar o o a recursos financeiros. Isso mostra que investir em adaptação pode ser uma ferramenta poderosa não só para aumentar a resiliência, mas também para conter o aquecimento global.

O projeto Heritage Colombia (Patrimônio Colômbia), por exemplo, trabalha na restauração de ecossistemas florestais degradados e na melhoria da gestão da terra e das florestas – duas estratégias que aumentam a remoção natural de carbono. O valor estimado da redução de emissões com as ações do projeto é de US$ 1,45 bilhão – superando o valor estimado das perdas evitadas (US$ 1,2 bilhão) e indo muito além dos US$ 31 milhões estimados em benefícios sociais e ambientais.

Explorando ao máximo os benefícios da adaptação

Se olharmos para o panorama completo, a adaptação ganha um novo significado. Nossa pesquisa desafia a ideia de que a adaptação seria um ônus financeiro que desvia recursos de outras prioridades. Ao contrário: muitas vezes, é mais lucrativo investir em adaptação do que não fazer nada – e, na prática, uma boa adaptação é um bom desenvolvimento.

No entanto, mesmo com vantagens tão evidentes, o déficit de financiamento para adaptação permanece.

É necessário avançar a partir desses aprendizados e desmistificar ainda mais a contribuição da adaptação para os objetivos de desenvolvimento. Melhorar a coleta de dados, os sistemas de monitoramento e a avaliação de investimentos em adaptação – tanto antes quanto depois da implementação – pode aprofundar nosso entendimento sobre seus benefícios. Mais evidências sobre os impactos concretos dos investimentos em adaptação, aliadas a metodologias aprimoradas de análise de custo-benefício, podem ajudar a refinar essa compreensão e atrair mais financiamento, de fontes mais variadas.

O déficit de financiamento para adaptação não é apenas uma lacuna – é uma oportunidade desperdiçada. A cada ano de atraso, as comunidades continuam vulneráveis a riscos climáticos cada vez mais severos e deixam de ar os benefícios econômicos, sociais e ambientais significativos de um desenvolvimento mais resiliente. É hora de governos e parceiros fazerem um dos investimentos mais inteligentes tanto para as pessoas quanto para o planeta.


Este artigo foi publicado originalmente no Insights