
3 mudanças para tornar o sistema alimentar global sustentável e justo até 2050
A população mundial deve crescer de 8 bilhões de pessoas em 2024 para 10 bilhões de pessoas em 2050. Pensar na alimentação dessa população de maneira equitativa, sustentável e em um cenário inegável de emergências climáticas é um dos grandes desafios nos próximos anos e um objetivo a ser seguido. Hoje, dado o sistema alimentar hegemônico, parece que essa meta está ainda longe de ser alcançada: nossa produção de alimentos ainda resulta em altos níveis de emissões de gases do efeito estufa (GEE) e desmatamento para pecuária e agricultura, tudo isso sem conseguir reverter as taxas alarmantes de fome e insegurança alimentar.
Uma nova pesquisa do WRI mostra que é possível reverter esse cenário com mudanças chave no sistema alimentar global. O estudo liderado pelo Systems Change Lab – iniciativa do WRI – teve como objetivo avaliar o progresso de indicadores relacionados a agricultura e produção de alimentos para suprir as necessidades da população mundial. Os indicadores estão conectados a metas chave em equidade, biodiversidade e clima para localizar onde ações devem ser tomadas para atingir a meta de alimentar 10 bilhões de pessoas de maneira justa e nutritiva, mantendo abaixo de 1,5ºC o aquecimento global e minimizando perdas de biodiversidade.
A pesquisa concluiu que os esforços recentes em produção de alimentos e agricultura não estão acontecendo na escala e ritmo necessários para garantir uma alimentação saudável e sustentável para todos. Dos 32 indicadores analisados, somente um deles está na direção e ritmo certos. Enquanto a maioria dos outros está progredindo muito lentamente ou indo para a direção errada.
Todavia, esse quadro do Sistema Alimentar global pode ser revertido. Veja três grandes soluções baseadas em evidências que podem reverter esse cenário e garantir uma alimentação equitativa, saudável e sustentável para todos.
1. Aumentar a produtividade agrícola com sustentabilidade, resiliência climática e preservando a biodiversidade
Promover a produção de alimentos que estabeleça uma outra relação com o clima e a natureza é urgente. Ao contabilizar todas as emissões da cadeia de valor dos alimentos, esse setor é responsável por 31% das emissões globais de GEE, quase um terço das emissões globais. Já no Brasil, a produção agropecuária junto às mudanças de uso da terra para agropecuária contabilizou 74% das emissões nacionais em 2023. Globalmente, a expansão de terras para agricultura é responsável por pelo meno 90% do desmatamento de florestas tropicais, mas no Brasil a pressão da agropecuária no desmatamento de vegetação nativa é ainda maior: chegando a 97% nos últimos 6 anos. Por outro lado, com o crescimento da população mundial, será preciso de cada vez mais comida para alimentar todos. Como resolver esse dilema">
2. Reduzir a perda e desperdício de comida
Combater a perda e desperdício de comida é central para construir um sistema alimentar sustentável e justo. A perda de alimentos não só agrava a fome e insegurança alimentar, como também acarreta perdas econômicas (de água, fertilizantes, combustível e outros insumos parte da cadeia de valor). A atual situação é grave: um terço da comida produzida no mundo é desperdiçada ou perdida, o que equivale a quase um quarto das calorias de todo o mundo.
Diferenciar perda e desperdício é importante para adotar medidas corretas para combatê-los. Enquanto a perda acontece na cadeia de produção, o desperdício se refere aos alimentos que já chegaram ao mercado. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, a perda afeta mais gravemente pequenos agricultores e pode chegar a 40% da produção total. Já o desperdício ocorre mais gravemente em países industrializados, estados relacionados a hábitos de consumo ruins, superprodução e remoção de alimentos bons por regulamentos rigorosos.
Reduzir o desperdício e perda significa disponibilizar mais comida para a população crescente, bem como reduzir a pressão por expansão de terras agriculturáveis e as emissões de GEE ligadas ao manejo de comida perdida. Entretanto, essa não é uma tarefa fácil: apesar do grande montante total de comida perdida, essa perda ocorre aos poucos ao longo da cadeia de valor. Logo, é preciso de ações multisetoriais que envolvam diversos atores ao longo de toda produção, transporte e venda de alimentos.
Empresas e governos têm reconhecido seu papel nessa questão nos últimos anos. São 23 países que já incluíram metas de redução de perda e desperdício de comida em suas Contribuições Nacionalmente Definidas (NDC) e 50 das maiores empresas do ramo alimentício possuem programas de combate ao desperdício ativos.
Ainda assim, mais iniciativas são necessárias. Os indicadores ligados à perda e desperdício de comida não tiveram o progresso necessário na última década, segundo o estudo. Mais governos precisam implementar políticas públicas para combater o desperdício, realizar parcerias com atores privados no ramo alimentício, expandir investimento em pesquisa e infraestrutura e implementar campanhas educacionais.
3. Garantir o e adoção de dietas mais saudáveis e sustentáveis para todos
Reduzir a perda de comida e aumentar a produtividade de forma sustentável não serão suficientes sozinhos para alimentar a população global, em consonância com as metas climáticas e de biodiversidade. Com uma crescente demanda por alimentos, é também preciso repensar dietas e o o a elas.
Os esforços globais para garantir dietas saudáveis e sustentáveis para todos não vai nada bem. Os números atuais são os piores da década: 29% da população mundial sofre com insegurança alimentar e 9%, com fome crônica. Logo, para garantir dietas saudáveis de forma sustentável para a crescente população mundial, é preciso de mudanças rápidas e eficazes nos sistemas alimentares.
As dietas precisarão mudar principalmente suas fontes de proteínas: se distanciar de carne de ruminantes e outras proteínas animais e expandir o consumo de proteínas vegetais. A redução desse tipo de alimento intensivo em emissões e uso de terra é essencial para conter a crise climática. Essa mudança deve ocorrer principalmente em regiões com alto consumo de carne e derivados, como América do Norte e Europa, tendo em vista que outras regiões com menor consumo terão que aumentar o consumo de proteína animal para combater desnutrição e fome.
Para além da recomendação de redução do consumo de proteínas animais e seus derivados, prevalece a recomendação de um aumento da ingestão de frutas, vegetais, grãos integrais, nozes e sementes, para alcançar uma dieta mais nutritiva o que aponta para um aumento do consumo desses alimentos. A recomendação de mudança também a pela promoção de uma alimentação com base em alimentos in natura e minimamente processados, com menor consumo de ultraprocessados, conforme indica o Guia Alimentar para a População Brasileira. Estudos apontam que no Brasil já chega a 20% do consumo diário de ultraprocessados, e em países como Estados Unidos e Reino Unido esse valor já ultraa 50%.
Governos e empresas cada vez mais reconhecem seus papeis nesse objetivo também. Governos têm incluído o o a dietas saudáveis e sua ligação com a mudança do clima em políticas públicas, e empresas, expandido seu portfólio de proteínas alternativas e reduzido investimentos em comidas não sustentáveis. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um exemplo de política pública desse tipo no Brasil. Ele visa à garantia da Segurança Alimentar e Nutricional de estudantes em escolas públicas em todo o território nacional e incentiva a Agricultura Familiar ao priorizar nas compras institucionais que ao menos 30% venham desses produtores.
Por fim, é preciso intensificar os esforços globais para promover a transição para dietas mais saudáveis e sustentáveis, de forma a acompanhar a urgência e a dimensão necessárias para alcançar as metas relacionadas ao clima e à preservação da biodiversidade, além de acabar com a insegurança alimentar, a desnutrição e a fome.
Mudanças simultâneas e junto a outros sistemas
Os desafios para suprir a demanda por alimentos global, atendendo as necessidades da natureza, clima e pessoas, não é pequeno. Existem soluções baseadas em evidências que podem que podem garantir dietas saudáveis a todos mantendo o aquecimento abaixo de 1,5ºC e protegendo a biodiversidade. Para isso, serão necessários esforços globais conjuntos e, principalmente, que as mudanças nos sistemas alimentares aconteçam em paralelo a mudanças em outros sistemas.
Com o aumento sustentável da produtividade agrícola e a alteração de dietas, a terra que teria sido usada para agricultura poderá ser restaurada, beneficiando natureza, clima e pessoas. Mudanças como essa já têm acontecido na Amazônia brasileira: agricultores familiares assentados no Pará restauram e produzem através de sistemas agroflorestais (SAFs). Na Caatinga, a iniciativa “Sementes da Paixão” conserva sementes crioulas e sua biodiversidade genética, promovendo a agroecologia. Já no Cerrado, a implementação de SACIs (Sistemas Agrocerratences) permite a restauração produtiva adaptada às caraterísticas únicas do bioma. Essa prática melhora a biodiversidade local, enquanto garante a renda e segurança alimentar de centenas de famílias. Esses são alguns dos infindáveis benefícios de promover mudanças simultâneas que nos levarão a sistemas humanos mais equitativos e sustentáveis.