“A discussão não é se devemos incorporar a transição justa no planejamento climático, e sim como fazer isso de maneira efetiva e de acordo com a realidade de cada país”. Foi desse modo que Katie Ross, diretora sênior do Programa de Clima do WRI, sintetizou as experiências compartilhadas por meio do webinar Transição justa nas estratégias climáticas de longo prazo (LTS): onde estamos e para onde vamos?, realizado no último dia 29 de abril pelo WRI Brasil.

O evento contou com a participação de especialistas no tema do Brasil, Nigéria, Panamá e Escócia, que abordaram os esforços de seus países na incorporação da transição justa em seus compromissos climáticos, principalmente as estratégias climáticas de longo prazo (LTS, na sigla em inglês). Com um horizonte de planejamento mais amplo, as LTS  são compromissos climáticos que vão além dos ciclos de governo e detalham as políticas públicas necessárias e a visão de cada país para alcançar a neutralidade climática (balanço líquido zero nas emissões,  ou seja, a quantidade de gases de efeito estufa lançada na atmosfera é compensada por ações e mecanismos para sua remoção). Oferecem uma direção clara para a mitigação das emissões, identificação de riscos climáticos e ações de adaptação, permitindo um planejamento nacional estruturado para lidar com a crise climática.

Um dos principais desafios é justamente implementar essas estratégias de descarbonização da economia de maneira que priorizem não apenas o desenvolvimento, mas também a justiça social, promovendo uma transformação econômica realmente equitativa e justa. “Cada país terá uma trajetória única em seu processo, já que os diferentes setores econômicos variam em relevância e maturidade frente às metas climáticas, refletindo desafios distintos na incorporação da transição justa e no equilíbrio entre sustentabilidade e desenvolvimento”, apontou Miriam Garcia, Gerente Sênior de Ação Climática do Programa de Clima do WRI Brasil.

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Leandro Cardoso, Coordenador-Geral de Mitigação e Proteção da Camada de Ozônio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) do Brasil, destacou os esforços do país na elaboração do arcabouço da política climática que engloba o compromisso de neutralidade climática até 2050 apresentado na NDC e nos esforços de política doméstica como o Plano Clima, que orientará as ações de enfrentamento às mudanças climáticas no Brasil até 2035. Como um dos principais mecanismos nacionais de governança climática, o plano incorpora a transição justa como eixo transversal e tem como um dos desafios centrais promover sinergias com outras políticas públicas, para fortalecer a atuação intersetorial e garantir uma transição justa para todos os setores da sociedade, ampliando as ações de justiça climática. “A estratégia de transição justa é baseada em uma análise profunda de impactos econômicos e sociais das medidas propostas e vai orientar as recomendações para a implementação das estratégias de adaptação e mitigação e dos planos setoriais no Plano Clima”, ressaltou.

“Grande parte das questões relacionadas à transição justa no Reino Unido, assim como na maioria do norte global, está focada em mitigação, com pouca ênfase em resiliência climática e adaptação; no entanto, iniciativas mais recentes, como o plano de adaptação climática da Escócia, já incorporam essa perspectiva mais ampla”, comentou David Reay, Co-chair da Comissão de Transição Justa e Professor de Gestão de Carbono e Educação da Universidade de Edimburgo, na Escócia. “Nosso principal aprendizado, em termos de envolvimento comunitário, é evitar a centralização das consultas públicas, e reconhecer que há um vasto conhecimento nas comunidades de base que precisa ser valorizado e incorporado aos processos de decisão”, completou.

Já Najega Bala Rufai, Chefe da Equipe de Risco de Desastres do Conselho Nacional de Mudanças Climáticas da Nigéria, contou sobre a experiência do país na incorporação do conceito em suas políticas climáticas. “A elaboração das diretrizes nacionais para a transição justa, ainda em andamento, representa um reconhecimento da importância dessa abordagem integrada, buscando assegurar alinhamento e coerência em todas as políticas públicas relacionadas às mudanças climáticas da Nigéria”, enfatizou.

“Vale destacar que é fundamental humanizar o processo, indo além das ambições macro de longo prazo e da redução de emissões, e considerar os impactos diretos que essas decisões têm na vida das pessoas, em seu futuro e em suas culturas — principalmente em culturas tradicionais”, pontuou Rosilena Lindo, Consultora Global de Clima e Energia e Ex-Secretária de Energia do Governo do Panamá, ao tratar da elaboração da agenda nacional de transição energética, fundamental para a elaboração das estratégias climáticas de longo prazo no país. E acrescentou: “A realização de uma pesquisa nacional prévia para ouvir a população foi um o fundamental para a formulação de uma política verdadeiramente inovadora e inclusiva, além da criação de um sistema de governança que inclui todos não apenas na criação da política, mas também em sua implementação, assegurando participação efetiva em cada uma das estratégias adotadas”.

Neste sentido, os demais especialistas também salientaram que a participação comunitária, com engajamento significativo, não deve ser vista como uma formalidade, mas sim como um pré-requisito para o sucesso de políticas climáticas. Essa participação integrada ao processo de planejamento de políticas públicas é conhecida como justiça procedimental. “Implementar a transição justa nas políticas públicas climáticas, nas NDCs e nas LTS é fundamental, mas também é essencial garantir que os benefícios sejam realmente alcançados e íveis às populações”, concluiu Katie Ross.

O evento é parte de uma série de webinars realizados pelo Consórcio “2050 is Now”, do qual o WRI Brasil participa, e que convidará especialistas de todo o mundo para analisar as melhores práticas e lições aprendidas sobre os temas de LTS. O Consórcio é um grupo de parceiros dedicado a fornecer aos governos e às instituições de pesquisa locais as ferramentas e estudos necessários para fortalecer as LTS e reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa, alinhando-as aos objetivos nacionais de desenvolvimento.